quinta-feira, 1 de setembro de 2011


E todos dizem que a magia está morta. Rebaixada aos livros infantis e outras obras pós-modernas de qualidade duvidosa. O que vim a descobrir mudou para sempre minha crença nesta realidade. Não só convenci-me da existência de forças mágicas operando além da capacidade de compreensão, como com grande pesar percebi que já estava sobre seu medonho domínio. A revelação não chegou de surpresa, e entendam, acredito que muitos nunca conseguirão o entendimento deste fato.

A alvorada da compreensão inicia-se no dia em que por razões as quais não devo revelar,  obtive inesperadamente uma espécie de valioso baú. Não em seu sentido antigo, de madeira com seus reforços de aço. Mas no sentido simbólico de seu conteúdo. E o que ele continha era o mais precioso dos tesouros. Não para mim, entendam. Foram os que estavam comigo no momento da abertura que mostraram-se atônitos pelo conteúdo encantador. Ao me deparar com suas reações identifiquei aquelas pequenas unidades como poderosos talismãs. Deduzi que o possuidor não era afetado pelos efeitos surpreendentes dos talismãs, pois ao vê-los não tive nenhuma reação digna de nota. Pelo contrário, inicialmente uma leve decepção por encontrar pequenas coisas tão despropositadas e sem nenhum valor. Somente em seguida pude apreciar de fato seu poder oculto. Aqueles a minha volta passaram a olhar-me com total admiração imbecil. Manipulavam os pequenos talismãs e passavam uns para os outros, cochichavam e apontavam, causando-me certo constrangimento. Finalmente irritado com a situação mandei que os guardassem de volta no baú e se retirassem. Saíram todos, porém ao contrário do que esperava despediram-se com muita educação, a despeito de minha grossura evidente, fato o qual imputei ao poder controlador agora em ascensão.

Naquela noite recebi inúmeras ligações de pessoas desprezíveis com as quais não mantinha nenhum contato há algum tempo. Todas enjoativamente prestativas e bem educadas. Eu pelo contrário usava de toda minha grossura e as dispensava. Ao que parece o poder extrapolava o mero contato físico ou mesmo visual. O simples fato de possuir o que possuía já era o bastante para colocar em encantamento insensato outras pessoas as quais um dia fui relacionado. Naquela noite dormi com sincera insatisfação e pensando em livrar-me daquele fardo que agora causava-me tanta amolação. Com o amanhecer porém minha idéia mudara radicalmente, o maligno entendimento mostrou-me as perspectivas de possuir um objeto tão poderoso. Decidido a testar a real dimensão de sua capacidade iniciei uma bateria de experiências. O resultado é previsível, pessoas francamente controladas por aquele poder místico e sem explicação. Em algum tempo um sentimento megalomaníaco emergiu irrefreável e passei a ousar ainda mais. Controlava pessoas como fantoches que sorriam e apreciavam aquela privação hedionda de sua liberdade. Todos pareciam adorar a perversidade e a cada momento louvavam ainda mais minha presença opressora. Voltei para minha casa satisfeito por ter sido o carrasco depravado de tantas almas ignorantes. Minha sanidade retornava em curtos intervalos nos quais me pegava idolatrando os talismãs, manipulando-os e pensando em todo seu poder controlador. Em como era importante agora que os possuía. Minha suposição inicial de estar protegido de seus efeitos mostrara-se completamente errada. A ânsia apreciativa levou-me a desejar possuir mais deles. Alguma intuição inexplicável dizia-me que o poder aumentaria, tornando-me ainda mais importante, aplacando totalmente as inseguranças e colocando todos à minha vontade. A mente arruinada pelo feitiço grotesco era um ambiente suscetível para mais patologias. E logo a paranóia instalou-se; afastei-me de todos, temendo ser privado de meus valiosos. Seguindo a lógica doentia acabei por cercar-me de pessoas enfeitiçadas. Sobre a magia alienadora elas não representavam nenhum perigo. Sua imbecilidade contemplativa me colocava como seu mestre e aqueles cativos não iriam imprimir nenhuma resistência as minhas ordens incoerentes.

Não demorou muito tempo para descobrir que não era o único a possuir os poderosos talismãs; ao que parece alguns os tinham em quantidade ainda maior. Precisava alcançá-los, os invejava e por isso aproximei-me desses “mestres” maiores. Não era como os serviçais, o feitiço apenas me atraia a possuí-los e não servir a seus possuidores. Já em estado desumano e totalmente cego pelo domínio místico consegui alçar-me ao nível considerável dos possuidores que antes invejava. Claro, não era o bastante, a simples existência de outros como eu imputava-me a antiga paranóia massacrante.

Vivi nessa existência egoísta acumulando mais e mais talismãs, vendo meu poder crescer e apreciando a ignorância generalizada. Servos e possuidores, todos servem ao talismã, não há liberdade em uma nação de escravos.