segunda-feira, 29 de agosto de 2011


Marchando por entre muralhas de escura rocha escarpada ainda não percebo a razão de tal esforço impossível. Apenas prossigo sentindo o ácido venenoso despejando seu fluxo incomparável de sofrimento. Logo farpas pungentes retalham desvairadamente a composição tão precária. Por vezes obrigado a ajoelhar no solo incandescente, apreciando o ardente amargor implacável, aferrando-se em desespero, arrastando a carga onerosa imposta por inominável força perversa. A subida última aproxima-se em fugaz manifestação desoladora, mantendo-me inconsciente do fardo insuportável conjunto a minha forma. O vento desconfortante fustiga o rosto sem face impedindo a compreensão da verdade irrefutável. A ascensão do espírito é interrompida nos primeiros metros. Não há vigor capaz de transcender o ângulo pilhérico do caminho adiante. Zombeteiras vozes preenchem o vazio com seus murmúrios incompreensíveis. A cólera é um impulso bem vindo e inteira a composição com seu destilado alienador, o licor pestilento é novamente lançado sem piedade e o fogo flui irrefreável incendiando cada fragmento ainda imaculado. Mãos e braços desempenham o papel dos já derrotados. A encosta parece alçar-se ainda mais angulosa e o esforço beira o impraticável. O vento atroz inverte sua direção e sons inesperados de amarras metálicas estalam nas rochas pontiagudas. Não há tempo para pensamentos. O topo está próximo e alguma potência atrai furiosamente para o abismo. A dor indizível não pode mais ser ignorada e a ira motivadora transforma-se em ruína pesarosa. Imobilizado, por fim, cedo ao engulho revelador e viro minha atenção para as profundezas abissais que permeiam a existência das vidas perdidas. Horror não é o bastante para descrever o sentimento medonho do entendimento inesperado. Aros metálicos inexoravelmente encravados em minha própria substância sustentam enormes correntes. A extremidade oposta de cada uma ampara um corpo humano. A opressão detestável vinha diretamente daqueles simulacros hediondos. Cascas vazias do que um dia fora a morada da existência, reduzidos a sórdidas armadilhas implantadas por algum destino depravado. A fúria reacendida bastou para transpor as últimas etapas da odiosa subida. Trataria agora de livrar-me daquelas monstruosidades desalmadas. Ao me aproximar das coisas humanas, primeiro percebi com assombro que estavam ligadas a minhas correntes por cadeados com fechaduras. Antes de pensar na chave libertadora tive a segunda revelação pavorosa. As criaturas que se passavam por pessoas estavam na verdade vivas. Passaram a implorar por sua soltura e seus apelos insensatos causaram-me inigualável desespero do qual não posso relembrar. Corri em frenesi desatinado até o limite do comprimento das amarras. O puxão de quando encontrei o fim de nossa distancia separadora foi ignorado por minha mente alucinada. Imerso em terror continuei arrastando minha carga diabólica que agora tentava se agarrar em pedras e arbustos retorcidos. Insanamente praguejava para que sumissem e me deixassem. As coisas gritavam de volta uma mistura de súplicas e ofensas despropositadas. Prossegui transpondo subidas e escarpas, definhando pouco a pouco, ignorando os pedidos e blasfemando a todos os deuses. Que destino cruel teria me colocado nesta situação, que criatura abominável e insensível teria interesse em onerar minha existência de forma tão sádica?

Imerso em minha ignorância insensata, cego pela raiva e alienado pelo remorso não ouvia o que eles me diziam. Não escutava seus pedidos de libertação, e não podia perceber a grande chave dourada que em meio a tudo isso balançava como um pêndulo presa a meu pescoço.